“Não fui comprado”. É assim que Jorge Casimiro Congo reagiu em declarações à DW e às críticas à sua entrada no Governo de Cabinda. A decisão deixou de boca aberta muitos dos seus companheiros da luta pela independência do enclave angolano.
Por Orlando Castro
Jorge Congo esquece-se que não basta ser sério. Passou-se para o lado do inimigo de sempre, o MPLA. Se não foi comprado isso significa que se ofereceu, que desertou, que se rendeu, que foi subornado. Independente do qualificativo, certo é que traiu a causa dos Cabindas que, durante décadas, disse ser também a sua.
Jorge Casimiro Congo era de facto, interna e externamente, o rosto mais visível e assertivo da contestação ao MPLA, partido que que liderava – dizia Jorge Congo – a força ocupante. Esteve sempre na “linha da frente” dos independentistas, assumindo que – ao contrário do que agora fez – estaria sempre de pé perante os homens e que só se ajoelhava perante Deus.
A entrada do padre Jorge Casimiro Congo no Governo de Cabinda, como secretário provincial da Educação, Ciência e Tecnologia, tem gerado muitas críticas. A DW pergunta, com muita incisão e pertinência: Será uma nova forma de luta ou a submissão dos seus ideais a uma “oferta milionária”?
Em entrevista à DW África, Casimiro Congo assegura que aceitou o convite, porque a governação do Presidente João Lourenço lhe inspira confiança. Como é possível Jorge Congo, fazendo fé na sua luta, afirmações e convicções, dizer uma coisa destas? O comum dos mortais, a começar pelos Cabindas, só tem uma explicação: Foi mesmo comprado. Não foi o primeiro e não o último.
“Eu fui sempre de opinião que Cabinda não podia fazer a sua luta de forma isolada e que era preciso encontrar uma saída em cada momento”, afirma Jorge Congo à DW. “Quando, em 2008, pedi ao povo de Cabinda para participar em eleições angolanas, fui torturado e acusado de tudo. Fizeram até panfletos contra mim. Mas, depois disso, as pessoas começaram a entender o que eu defendia. Foi isto que levou Raúl Danda a concorrer pela lista da União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA) e, mais tarde, o padre Raul Taty e tantos outros, que têm hoje assento no Parlamento.”
Mas com a entrada no aparelho governativo, o padre Congo “trai” os ideais de Cabinda, afirmam antigos “companheiros de trincheira” como o advogado e activista cabinda Arão Bula Tempo.
“Hoje os quadros de Cabinda interessam-se mais pelas funções do que pela própria causa”, diz Arão Bula Tempo, perguntando: “Qual é a honra e a dignidade de quem lutou todos os dias, de quem foi um dos mentores desta luta, e hoje aceita uma função de secretário provincial da Educação?”.
“Lamentavelmente, hoje os quadros de Cabinda interessam-se mais pelas funções do que pela própria causa que assola o território de Cabinda, que empobrece o povo de Cabinda, que continua a assistir a perseguições e à própria degradação social”, acrescenta Arão Bula Tempo.
Jorge Casimiro Congo diz, no entanto, que está preparado para ouvir todas as críticas dos intelectuais de Cabinda. O antigo pároco da Igreja Católica em Cabinda, expulso por Dom Filomeno Vieira Dias, então bispo da diocese, refere que já liderou conversações entre a sociedade civil cabinda e os dois principais partidos na oposição, UNITA e Convergência Ampla de Salvação de Angola – Coligação Eleitoral (CASA-CE), e desta vez, decidiu sentar-se à mesma mesa com o MPLA para tentar melhorar a situação política, económica e social no enclave.
“Para mim, é preciso sempre encontrar novas maneiras de abordar a questão de Cabinda e creio que posso discutir com o Presidente João Lourenço”, diz Casimiro Congo.
“Penso que este é o momento de dar a minha contribuição, sobretudo na educação, que se encontra num estado de degradação terrível,” afirma Casimiro Congo.
A nomeação do padre Congo pelo governador de Cabinda, o general Eugénio César Laborinho, foi discutida no “Kremlin”, como também é conhecida a sede do MPLA em Luanda, através de contactos e reuniões ao mais alto nível entre o activista cabinda e o secretário para as Relações Exteriores do partido, Julião Paulo “Dino Matross”, e o secretário-geral, António Paulo Kassoma.
Jorge Casimiro Congo garante que a sua entrada no Governo de Cabinda não dilui as suas convicções: “Não recebi dinheiro nenhum. Só a História me poderá julgar. É possível melhorar as condições de Cabinda a partir de dentro. Se eu falhar, não me vou frustrar, o importante é que tentei. Agora, já não tenho idade para estar sozinho, a gritar – não posso estar permanentemente a assumir um povo que não se quer libertar.”
A nomeação consuma uma rápida reviravolta de Jorge Congo, que sempre se considerou incapaz de suportar e tolerar o MPLA, mostrando-se, em todas as circunstâncias, por palavras, actos e gestos, totalmente oposto ao MPLA, ao seu programa e às suas iniciativas, sobretudo em Cabinda («não os posso sentir»!).
Tentou várias e sucessivas aproximações e/ou alianças com alguns partidos da oposição angolana, nomeadamente: a FpD (Frente para a Democracia, a UNITA, o Partido Popular (do Dr. David Mendes), o Bloco Democrático e a CASA-CE. Depressa se afastava, desiludido e desanimado, dizendo-se sempre traído e incompreendido, e os seus ideais e aspirações rejeitadas ou não suficientemente apoiadas e aprovadas!
Mas o ano 2017 começou a soprar uma (quase) imperceptível brisa de mudança, que cedo o embalaram, talvez como expressão dum antagonismo imaginado ou criado para justificar compromissos anteriores não assumidos publicamente.
O namoro oficial remonta há cerca de um ano: iniciou-se no consulado de Aldina Matilde Barros da Lomba (Catembo), na sequência do anúncio da parceria eleitoral entre a UNITA e a sociedade civil de Cabinda (através do GR – Grupo de Reflexão, de que também era membro, mas do qual se afastou posteriormente, sem dar qualquer explicação ou justificação aos seus correligionários). Limitou-se a referir-lhes o diálogo que teve, nessa altura, com a (então) governadora, que na ocasião estava acompanhada do seu irmão Euclides da Lomba, Secretário da Cultura, de quem no passado foi grande amigo e próximo, nomeadamente no âmbito do CNC (Comité dos Nacionais de Cabinda).
Posteriormente, celebrou-se o noivado, que foi apadrinhado conjuntamente por Julião Mateus Paulo (Dino Matross) e António Paulo Cassoma, respectivamente, antigo e actual Secretário-Geral do MPLA. E, à boa maneira africana, o noivado foi acompanhado do respectivo alambamento.
Em África, diz-se amiúde, os casamentos realizam-se entre famílias. No caso vertente, temos uma família, o MPLA, dum lado; mas do outro, temos apenas uma pessoa (aparentemente, só e isolada), Jorge Congo. Ademais, a própria família (que assume este inesperado casamento) não é casamenteira, no nosso meio (isto é, entre os cabindas). Tem sido sempre intolerante e visceralmente oposta à sociedade civil (de que tem sido sempre opressora e inimiga): Apenas domina, oprime, explora, mostrando-se muitas vezes cruel e sanguinária.
O gesto do MPLA é novo, se não mesmo, insólito. Não é um abraço à sociedade civil: é apenas uma manobra de diversão e divisão, e mesmo um pressuposto para o propalado melhora(u)mento do Memorando de (des)Entendimento que já tem um novo interlocutor válido (ou antes, validado), a FCC (Frente Consensual Cabindesa), de Belchior Lanso Tati, que aparece hoje como principal aliado de Jorge Congo.
Recorde-se que Jorge Congo foi responsável e animador principal da Igreja Católica das Américas, uma das denominações da não menos polémica (e estranhamente) confederada ICCA (Igreja da Conciliação Cristã de Angola), do Reverendo Pastor… Antunes Huambo.
Folha 8 com DW